Minha vó sempre está procurando alguma coisa
Com as mãos na cintura, ela vai e volta
Me conta alguma coisa que já tinha me contado em outra hora
Eu finjo surpresa, ela da risada e continua a procurar.
Abre os armários, abre as gavetas, tudo ela tem que desarrumar
Perde o isqueiro, pega o meu, acende o cigarro no fogão e esquece de desligar.
As luzes ficam acesas e na sua memória nada é mais interligado.
Ela se lembra do tempo que era moça, trabalhava na roça e brigava com o pai
Ela se lembra de um tal sobrinho que há muito tempo não viu mais.
Mas as vezes esquece meu nome.
Minha avó sempre está a procurar alguma coisa que eu não sei o que é
E sempre antes de dormir ela olha as mesmas fotografias, me conta as mesmas histórias de outrora
Ela se emociona, coloca as mãos na cintura e volta a perambular.
Minha avó já não cuida do jardim, mas quando eu era pequena ela quem cuidou de mim.
Levava palmadas por estragar suas flores quando queria brincar, flores hoje em dia que estão a murchar porque minha avó não se lembra mais de regar.
Cada dia que passa minha avó procura mais, procura algo dentro dela que não vai mais voltar
Ela procura pela casa toda, as vezes pela rua se ela se lembra de voltar
Com as mãos na cintura, minha vó fica confusa e tenta encaixar as peças que sobraram da sua cabeça
Antes que eu me esqueça, minha vó dura na queda não vai deixar-se derrotar
Pelas lacunas em sua memória
Pelos cigarros que ela não termina de fumar
Minha avó com as mãos na cintura as vezes consegue se encontrar
Procurando nos armários da cozinha, por pedacinhos de sua história que não conseguiu nos contar
E por vezes eu também não consigo lembrar de tudo que ela me diz
Tantas histórias, reais e irreais, os pedacinhos da sua memória
Minha avó coloca as mãos na cintura
E vem conversar.